Palavras que Sobem: Um Diálogo sobre as Repetições na Oração




✍️ Introdução

Num cenário atemporal, quase celeste — uma biblioteca antiga com livros flutuando suavemente e a luz dourada de um vitral celeste banhando os rolos da Escritura — dois homens se encontram.

De um lado, Dr. R. C. Sproul, notável teólogo reformado do século XX, conhecido por sua retórica afiada, lógica protestante clássica e fidelidade ao princípio do Sola Scriptura. Ele caminha com confiança, Bíblia em mãos, pronto para argumentar.

Do outro lado, está Santo Tomás de Aquino, Doutor Angélico da Igreja Católica, com sua expressão serena e penetrante, acompanhado por um livro grosso — a Suma Teológica — e, claro, a Palavra de Deus sempre aberta ao coração.

Ambos se saúdam cordialmente.

O tema de hoje: as chamadas “vãs repetições” na oração — com foco especial no Rosário, o Terço, e outras práticas católicas que, segundo o protestantismo, “substituem a oração verdadeira por fórmulas mágicas”.

Mas será que é isso mesmo?

É o que essa conversa revelará: não uma batalha, mas um duelo elegante, entre fé e razão, Escritura e Tradição, em busca da oração verdadeira que sobe ao Céu.


📖 Sumário

Capítulo 1 – As Palavras e o Coração
Dr. Sproul apresenta a crítica clássica baseada em Mateus 6,7. Tomás ouve atentamente, depois começa distinguindo repetições vãs e repetições vivas, apoiado por textos bíblicos e salmos.

Capítulo 2 – Os Anjos também Repetem
Discussão sobre as repetições celestes em Isaías e Apocalipse. Tomás compara os anjos que dizem "Santo, Santo, Santo" com os católicos que dizem "Ave Maria". Dr. Sproul tenta distinguir essência e contexto.

Capítulo 3 – O Terço e a Contemplação
Tomás explica o Rosário como uma oração contemplativa e cristocêntrica. Dr. Sproul questiona a centralidade de Cristo na devoção mariana. Tomás responde com São João Paulo II e a estrutura dos Mistérios.

Capítulo 4 – Quando o próprio Cristo nos ensinou a repetir
Tomás lembra que o próprio Senhor ensinou o Pai Nosso, uma oração fixa, recitada por séculos. Dr. Sproul tenta argumentar que isso não implica repetição ritualizada. Tomás devolve com a Didachê e os Padres da Igreja.

Capítulo 5 – Magia ou Devoção?
A crítica protestante: rezas católicas seriam mágicas ou supersticiosas. Tomás responde com a teologia sacramental: ex opere operantis, e distingue oração viva de formalismo vazio — em qualquer tradição.

Capítulo 6 – Amor que repete
Tomás, com leve sorriso, fala da natureza do amor: quem ama, repete. Dr. Sproul para um instante. Lembra-se de sua própria infância, orações com o pai, e reconhece: “Nem toda repetição é vã.”

Capítulo 7 – Palavras que Sobem
Conclusão: uma oração não se mede pelas palavras, mas pela fé que as habita. Ambos, juntos, terminam com o Pai Nosso — repetido, sim, mas com o coração aceso.



📖 Capítulo 1 – As Palavras e o Coração

A cena abre em uma biblioteca celestial. A mesa entre os dois mestres está coberta por livros sagrados: a Bíblia em grego e latim, a Suma Teológica, escritos patrísticos, e uma xícara de café fumegante — talvez por concessão da eternidade. Luzes suaves descem pelos vitrais. Um silêncio respeitoso precede a primeira palavra.

🗣️ Dr. R.C. Sproul (ajustando seus óculos e abrindo sua Bíblia em Mateus 6,7):

— Doutor Tomás, permita-me começar com as palavras do próprio Senhor Jesus:

“E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam que por muito falarem serão ouvidos.” (Mt 6,7)

Essa advertência é clara, não acha? Os católicos, com todo o respeito, parecem ignorar essa exortação. Rezar 53 vezes a mesma "Ave Maria", dia após dia, não se aproxima daquilo que o Senhor advertiu como "vãs repetições"? Onde está a oração em espírito e verdade, senão no clamor espontâneo da alma?

Sproul se inclina levemente para trás, com a serenidade confiante de quem lançou o primeiro argumento no campo.


🧠 Santo Tomás de Aquino (sorrindo gentilmente, com as mãos cruzadas sobre a mesa):

— Caríssimo Dr. Sproul, começo agradecendo-lhe pelas palavras sempre claras e pelo zelo com a Escritura — zelo que também anima a alma católica.

Contudo, permita-me oferecer uma distinção — a ferramenta favorita da boa filosofia, como dizia Aristóteles.

Jesus não condena a repetição em si, mas a repetição vã, isto é, sem fé, sem intenção, sem amor. A diferença está, não nas palavras, mas no coração que as pronuncia.


📜 Tomás prossegue, abrindo um códice com os Salmos:

— Veja o Salmo 136. É uma litania com 26 versículos que repetem:

“Porque eterna é a sua misericórdia.”

Diria o senhor que o Espírito Santo, autor dessa repetição, caiu em vaidade?


🗣️ Sproul (erguendo a sobrancelha, ponderando):

— Mas os salmos são cânticos poéticos, Tomás. O contexto é diferente. Não se trata de uma oração ritualística e mecânica...


✍️ Tomás (sereno, sem ironia, mas com leve sorriso):

— Ah, mas veja: os anjos no Céu também repetem eternamente:

“Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus do universo.” (Is 6,3; Ap 4,8)

O próprio Céu canta em repetição! A diferença é que ali, como nas verdadeiras orações, cada repetição não é um eco vazio, mas uma chama renovada. A oração do justo, ainda que repetida, sobe como incenso. A do distraído, mesmo que breve, evapora sem perfume.


🕊️ Tomás então folheia lentamente a Suma e continua:

— Santo Agostinho dizia: “Não é muito falar que é pecado, mas falar sem fruto.”

Assim como um filho que diz à mãe: “Eu te amo” várias vezes ao dia — se o faz com amor verdadeiro, cada palavra tem peso eterno.


🤔 Sproul (agora mais reflexivo):

— Então dirias que o Terço não é magia, mas meditação?


😌 Tomás (inclinando a cabeça com reverência):

— Exatamente, meu irmão. Cada "Ave Maria" é um compasso do coração mariano que nos conduz ao Cristo: nos Mistérios gozosos, dolorosos, gloriosos e luminosos. Maria não é o fim da oração, mas a companheira que nos guia pelo Evangelho.

O Rosário é como repetir: “Pai, não me deixes esquecer Teu Filho.”
E nisso, como dizia o Salmista:

“Medito nas tuas maravilhas” (Sl 119,27)

📜 Final do capítulo

Sproul repousa a Bíblia sobre a mesa, com o olhar mais brando. Ele ainda tem objeções, mas agora começa a ver distinções onde antes via erros, e fé onde pensava haver superstição.

E com um tom quase brincalhão, murmura:

— Então, se repetir com amor é válido... talvez eu deva começar dizendo "Ave Tomás", hein?

Tomás ri. E responde:

— Apenas se me levares ao Cristo. Se for por mim, já seria vã!

Ambos sorriem. O diálogo prossegue...



📖 Capítulo 2 – Os Anjos também Repetem

A sala permanece iluminada por uma luz dourada filtrada por vitrais. Tomás e Sproul continuam sentados frente a frente. No ar, uma atmosfera mais leve — o tom agora é de curiosidade mútua, não de oposição.

🗣️ Dr. R.C. Sproul (folheando rapidamente sua Bíblia, olhos brilhando):

— Tomás, você mencionou os anjos dizendo “Santo, Santo, Santo”. De fato, está em Isaías 6 e Apocalipse 4. Mas permita-me uma objeção — ou, como você mesmo gosta, uma “distinção”.

A repetição angelical não é uma oração mecânica, nem dirigida a outra criatura — é uma explosão espontânea de adoração, algo que emana de uma visão direta de Deus. Não é um rosário ritual, mas um louvor celestial.

Ele sorri com leveza, satisfeito com sua formulação. A “repetição celestial”, para ele, está em outro plano.


🧠 Santo Tomás de Aquino (sem pressa, como quem saboreia uma resposta):

— Uma excelente distinção, caro doutor. Mas permita-me aprofundá-la — como bom dominicano, mergulho nas águas antes de beber.

De fato, os anjos repetem “Santo, Santo, Santo” porque estão diante da Beleza infinita, e cada Santo que dizem é novo — não pela mudança de Deus, mas pela renovação contínua de sua percepção do Eterno.

Agora, a pergunta: o fiel católico, quando reza o Rosário, não está também diante do mistério de Deus?

Tomás abre um pequeno livro de orações, e toca o crucifixo pendurado em seu hábito.

— Ao dizer “Ave Maria”, o cristão medita na Encarnação. Ao repetir, ele mergulha. Como ondas no mar: cada uma parece igual, mas nenhuma é a mesma.


📜 Tomás abre então Apocalipse 5:

— Veja este detalhe. Os anciãos diante do trono lançam suas coroas repetidamente, “dia e noite, sem cessar”. E entoam:

“Digno és de receber o livro e de abrir os seus selos, porque foste morto...”

— Repare, meu caro: até a obra redentora de Cristo — o centro do Evangelho — é cantada em forma repetida no Céu.


🗣️ Sproul (pensativo, mas ainda cauteloso):

— Admito que a repetição pode ter valor quando é espontânea, nascida de devoção sincera. Mas o Terço não é espontâneo. É... prescrito. Fixado. E, perdoe-me, dirigido a Maria.


✍️ Tomás (com aquele olhar que mistura afeto e lógica):

— Ah, mas veja: a oração da “Ave Maria” nasce das Escrituras.

“Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo” (Lc 1,28)
“Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre” (Lc 1,42)

Não é uma criação da tradição, mas uma ecoação da Palavra, ritmada pelo amor.

E quanto à prescrição: o Pai Nosso também é uma oração fixa. Jesus não disse: “Improvisai algo parecido”. Ele nos ensinou palavras precisas.


🎯 Tomás conclui com uma imagem:

— O Rosário é como a Harpa de Davi: tem cordas que se repetem, mas a melodia depende da alma que a toca. Repetir com fé é música. Repetir sem fé é ruído. E isso, meu caro, é verdade tanto para católicos quanto para protestantes.


🤔 Dr. Sproul (respira fundo, com respeito):

— Não posso negar que há beleza nisso. Ainda resisto à intercessão mariana, mas devo admitir: a repetição não é, por si, condenável. O problema, então, é a intenção, não o formato.


🤝 Tomás (acenando afirmativamente):

— Agora falamos a mesma língua.

Ambos sorriem. A conversa agora está menos defensiva. É como se, no diálogo, cada um estivesse tirando um sapato: reconhecendo que este terreno é, de fato, santo.


E assim se encerra o segundo capítulo. À distância, ouve-se o eco suave de um coral angelical, repetindo...
“Sanctus, Sanctus, Sanctus.”



📖 Capítulo 3 – O Terço e a Contemplação

A luz entra pela janela como uma bênção. O ambiente, antes tenso pelo debate anterior, agora parece repousar. Há um ar de recolhimento. Dr. R.C. Sproul, protestante de mente aguda e alma séria, cruza os braços enquanto observa um rosário que repousa sobre a mesa. Tomás de Aquino o segura com reverência, como quem segura um mapa antigo que conduz ao Tesouro.


🗣️ Dr. R.C. Sproul:

— Tomás, diga-me com franqueza: como pode um conjunto de orações dirigido repetidamente a Maria ser considerado uma oração centrada em Cristo? Seria como colocar a moldura no centro da pintura.


✍️ Tomás de Aquino (sorri com leveza, olhos brilhando com caridade e sabedoria):

— Meu caro doutor, a moldura protege e orienta o olhar. Mas o quadro... ah, o quadro é o Redentor.

Você pergunta se o Rosário é cristocêntrico, e com razão. Muitos veem apenas as repetições do “Ave Maria” e supõem que ali está o centro. Mas isso seria como julgar uma sinfonia pela repetição de notas sem ouvir a harmonia.


📜 Tomás abre um documento moderno:

— Permita-me recorrer a um sucessor que falava tanto com a mente quanto com o coração: São João Paulo II, na sua carta apostólica Rosarium Virginis Mariae (2002), ensinou:

"Com Maria, contemplamos Cristo."

"O Rosário, embora caracterizado pela repetição da Ave Maria, é oração plenamente cristológica.”

E não são palavras vazias. Ele explica como isso ocorre. Veja a estrutura:


📿 Os Mistérios do Rosário:

Mistérios Gozosos

  • A Anunciação: o Verbo se faz carne.

  • A Visitação: o Salvador ainda em gestação é reconhecido por João Batista.

  • O Nascimento: o Filho de Deus nasce em Belém.

  • A Apresentação no Templo.

  • O Encontro no Templo.

Mistérios Dolorosos

  • A Agonia no Horto.

  • A Flagelação.

  • A Coroação de espinhos.

  • O Caminho do Calvário.

  • A Crucificação.

Mistérios Gloriosos

  • A Ressurreição.

  • A Ascensão.

  • Pentecostes.

  • A Assunção de Maria (a única diretamente sobre ela).

  • A Coroação da Virgem.

Mistérios Luminosos (adicionados por São João Paulo II):

  • O Batismo no Jordão.

  • As Bodas de Caná.

  • O Anúncio do Reino.

  • A Transfiguração.

  • A Instituição da Eucaristia.


✝️ Tomás conclui:

— O Rosário é uma catequese bíblica viva, em forma de oração. O que parece repetição é marcação rítmica para a contemplação. Maria não rouba o lugar de Cristo — ela o revela.


🤨 Dr. Sproul (ainda cético, mas curioso):

— Mas por que pedir a intercessão de Maria tantas vezes? Não basta ir direto a Cristo?


🤝 Tomás (paciente e amoroso):

— Você conhece bem João 2. Em Caná, foi Maria quem notou a necessidade. Ela não realizou o milagre, mas apontou para Aquele que o faria.

“Fazei tudo o que Ele vos disser.” (Jo 2,5)

E em João 19, do alto da Cruz, Cristo não nos deu apenas o perdão, mas nos deu Sua Mãe:

“Eis aí tua mãe.”

O Rosário, portanto, é oração de filhos que pedem a intercessão daquela que primeiro acreditou, mas que contemplam, passo a passo, o caminho do Salvador.


🧠 Tomás, com uma nota filosófica:

— E se a alma é moldada pelaquilo que contempla, o Rosário é como uma escultura do coração, esculpida à imagem de Cristo.


🤔 Dr. Sproul (mais calmo):

— Admito, Tomás, nunca havia pensado no Rosário como uma forma de evangelho orado. Ainda me preocupo com os desvios devocionais, mas a estrutura que apresentaste é sólida.


😌 Tomás (sorrindo com humildade):

— Justo, doutor. Toda prática precisa de purificação e vigilância. Mas é preciso julgar a devoção pela sua essência, não pelo mau uso que alguns possam fazer dela.

E lembre-se: a verdadeira Mariologia sempre leva a Cristologia.


Silêncio respeitoso. A chama da vela tremula.
Ao fundo, ouve-se o som de contas deslizando entre dedos. Uma freira, em silêncio, reza o Rosário.
O mundo, por um instante, contempla com ela os mistérios de Cristo.



📖 Capítulo 4 – Quando o próprio Cristo nos ensinou a repetir

A conversa segue, agora sob a luz tênue de lamparinas que lembram as primeiras comunidades cristãs. Dr. R.C. Sproul folheia sua Bíblia. Tomás observa com a calma de quem confia não em argumentos humanos, mas na Sabedoria Eterna. O foco é agora a oração que brotou dos próprios lábios do Verbo encarnado.


🗣️ Dr. R.C. Sproul:

— Tomás, concedo que o Rosário contem elementos cristológicos. Mas não nos afastamos da oração viva e espontânea quando transformamos a fé em fórmulas repetitivas?

“E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que por muito falarem serão ouvidos.” (Mateus 6,7)

Nosso Senhor alertou contra isso imediatamente antes de ensinar o Pai Nosso. Não seria essa uma crítica clara às orações fixas?


✍️ Tomás de Aquino (erguendo um dedo com gentileza):

— Excelente ponto, doutor. Mas, como sempre, a chave está na distinção.

Cristo não condenou a repetição em si, mas a repetição vã, ou seja, desprovida de fé, sem atenção, sem amor. Uma espécie de “papagaiar” pagão para manipular o divino.

Mas veja: logo após esse alerta, Ele nos ensina o Pai Nosso. Uma oração fórmula, concisa, repetida desde o século I em cada Missa, culto, oratório e cela monástica.

Seria contraditório que Ele condenasse o que em seguida nos ordena a fazer?


📜 Tomás, com um brilho nos olhos, cita a Didachê (c. 70–90 d.C.):

“Não ores como os hipócritas, mas como o Senhor mandou em seu Evangelho, assim orai: Pai Nosso… Rezai assim três vezes ao dia.” (Didachê, cap. 8)

— Aqui vemos os cristãos do primeiro século, talvez ainda com os ecos da voz dos Apóstolos nos ouvidos, repetindo a oração do Senhor três vezes por dia.

É repetição? Sim. Mas viva, orientada, ensinada. Como a do próprio Cristo.


🧠 Tomás prossegue, citando Santo Agostinho:

“Dizei o Pai Nosso, mas com o coração, não apenas com a boca. Pois quem ora assim, mesmo repetindo mil vezes, nunca fala em vão.”

E ainda São Basílio:

“As palavras do Pai Nosso são como brasas acesas. Repeti-las é como manter o coração aquecido na presença de Deus.”


🤨 Dr. Sproul (ergue a sobrancelha):

— Mas essas citações não anulam o perigo do ritualismo. A fé é pessoal, e oração deve brotar da alma, não do costume herdado.


✝️ Tomás (sorri, com amor fraterno):

— De acordo, doutor. Mas cuidado com o falso dilema. A tradição da oração não mata a alma, ela a forma. Rezar o Pai Nosso diariamente, ou repetir o Rosário, não impede a oração espontânea — a disciplina estrutura o coração para a liberdade interior.


🪞Tomás aponta para o coração:

— Um soldado repete gestos no treino não para se tornar mecânico, mas para que, na hora da batalha, haja reflexos firmes. Assim é o cristão que aprende a rezar com a Igreja: na hora da tentação, do sofrimento ou da morte, ele saberá dizer: Pai Nosso... Ave Maria... livrai-nos do mal.


🧘‍♂️ Tomás ainda acrescenta:

— As orações fixas não excluem o Espírito. Lembre-se: os Salmos são repetições também. O próprio Jesus os rezava. O Salmo 136, por exemplo, repete 26 vezes:

“Porque eterna é a sua misericórdia.”

E no Apocalipse 4,8, os anjos repetem eternamente:

“Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus Todo-Poderoso...”

Se os anjos podem repetir com glória, por que não os filhos da Igreja com humildade?


🤝 Dr. Sproul (mais reflexivo):

— Confesso, Tomás, que tendemos a olhar com suspeita para a forma. Mas o que você mostra é que a forma bem compreendida protege o conteúdo.


🌹 Tomás, com um leve sorriso, conclui:

— A repetição pode ser vã... ou vivificadora. A diferença está no coração que ora, não no número de palavras.

E o Pai Nosso, que nasceu do próprio coração de Cristo, nos convida não ao cansaço da oração, mas ao seu alimento diário.


O silêncio retorna. Uma vela se consome lentamente. Na sala, ressoa no coração de ambos:

“Pai Nosso que estais no Céu...”

E ambos respondem, em uníssono, ainda que vindos de tradições diferentes.



📖 Capítulo 5 – Magia ou Devoção?

A sala continua imersa em atmosfera de escuta e reflexão. O debate avança em profundidade, agora abordando uma das críticas mais persistentes dos protestantes em relação às práticas católicas: seriam as orações e gestos sacramentais da Igreja uma forma de "magia religiosa"? Ou há, de fato, uma teologia viva por trás de cada sinal e palavra?


🗣️ Dr. R.C. Sproul (com olhar sério e retórico):

— Tomás, permita-me tocar num ponto sensível. Muitos de nós, da tradição reformada, observamos no catolicismo algo que se assemelha perigosamente à superstição. Contar contas, acender velas, fazer sinais — tudo isso parece dar a entender que o gesto em si produz algum efeito. Não seria isso magia religiosa? Uma tentativa de manipular Deus?


✍️ Tomás de Aquino (cruzando as mãos com serenidade):

— Uma excelente pergunta. E justa. Afinal, toda prática religiosa, se mal compreendida, pode degenerar em superstição — inclusive entre vós.

Mas vejamos: a acusação de "magia" pressupõe que se acredita em forças impessoais controladas por fórmulas. Isso está a milhas de distância da nossa teologia sacramental.


📘 Tomás abre sua Suma Teológica:

— A Igreja distingue entre ex opere operato e ex opere operantis.

Ex opere operato significa que os sacramentos atuam em virtude da própria ação realizada, não por mérito humano, mas pela graça de Cristo, que é o ministro invisível. Não é mágica. É um dom.

ex opere operantis lembra que a frutificação depende da disposição do coração. Se alguém reza o Rosário como um amuleto, ou vai à Missa como quem carimba um bilhete — isso não santifica ninguém.

“Deus não se deixa enganar por aparências. Mas Ele quis nos santificar também através de sinais visíveis.” (cf. Suma Teológica, III, q. 62)


🎯 Dr. Sproul:

— Mas ainda assim, Tomás, o povo simples pode cair nessa armadilha. O catolicismo não teria fomentado isso ao longo dos séculos?


✝️ Tomás (com um suspiro leve e um olhar bondoso):

— A tentação da superficialidade existe, é verdade. Mas ela não é exclusividade católica. Há carismáticos que reduzem o Espírito Santo a um arrepio; há reformados que confundem doutrina com frieza moralista.

A culpa não é da vela acesa — mas do coração apagado.

"Formalismo vazio" pode existir tanto em quem reza o Terço quanto em quem lê a Escritura sem amor.


🔥 Tomás sorri e cita Santo Agostinho:

“Canta, mas canta com o coração, não apenas com a língua.”

E acrescenta:

— Veja, os sacramentos e as devoções são como cartas de amor. Se alguém as lê sem amor, não muda nada. Mas se as lê com fé, elas acendem o coração.


🎓 Dr. Sproul (mais brando):

— Então você diria que o problema não está na forma externa, mas na intenção interior?


🌿 Tomás (afirmando com leve inclinação de cabeça):

— Exatamente. A devoção verdadeira é a união da forma e da alma. A oração católica é rica em símbolos porque o Verbo se fez carne. O gesto expressa a alma, como o sacramento expressa a graça.

Cristo cuspiu no chão para curar. Tocava, abençoava, impunha as mãos. Isso não é superstição — é a Encarnação em ação.


🧠 Tomás encerra, com brilho nos olhos:

— Onde houver fé, caridade e reverência, há oração verdadeira — seja com um Rosário, com um Salmo ou com as mãos erguidas ao céu. Mas sem amor… tudo é ruído, como diria Paulo.

“Ainda que eu falasse a língua dos anjos... sem amor, seria como um sino que soa.” (1 Cor 13,1)


🤝 Dr. Sproul (em tom contemplativo):

— Talvez, então, a crítica deva ser dirigida não à forma da oração, mas ao coração que a torna viva ou morta.


O silêncio paira novamente. Uma vela se acende diante de uma imagem do Cordeiro, como que recordando que toda oração cristã deve levar à adoração do único mediador, Cristo Jesus.



📖 Capítulo 6 – Amor que Repete

O debate havia percorrido altos voos da teologia sacramental, da exegese bíblica e da tradição dos Padres. Mas agora, Tomás, com aquele brilho tranquilo nos olhos, resolve descer do púlpito da lógica… direto para o terreno do coração.


😊 Tomás (com um leve sorriso, quase paternal):

— Dr. Sproul… permita-me sair por um momento da linguagem técnica e falar simplesmente como um homem que ama o Senhor. Você já reparou que quem ama... repete?


🧐 Dr. Sproul (arqueando a sobrancelha):

— Repetições... por amor?


🕊️ Tomás (calmo e quase poético):

— Um pai não diz "eu te amo" ao filho uma vez só. Um esposo não faz sua esposa ouvir o "sim" apenas no altar. E o coração que ama a Deus... repete, repete, e repete, não porque Deus esquece, mas porque o coração transborda.

“A oração é como a respiração do amor.” — E quem ama, respira sempre.


✨ Tomás continua:

— Veja os Salmos. O salmista clama: “Eterna é sua misericórdia”… trinta e seis vezes, em um só salmo! (cf. Salmo 136)

É poesia? Sim. É liturgia? Sim. É repetição? Também. Mas acima de tudo… é amor que não se cansa de dizer o mesmo.


🤯 Dr. Sproul (silencia por um instante, olhando para o chão):

O auditório, até então cheio de raciocínios afiados, parece agora envolvido por uma brisa de ternura e memória.

Sproul ergue o olhar, visivelmente tocado, e fala com voz mais baixa:

— Você sabe… eu me lembro. Meu pai, todo dia, antes de dormir, me ensinava a dizer: “Senhor, guarda meu coração. Ensina-me a andar contigo.”

Dissemos aquilo por anos. A mesma frase. A mesma entonação. E eu nunca pensei que fosse... .


🌹 Tomás (inclinando levemente a cabeça):

— Porque não era. Era amor, vestido de palavras. O amor é repetitivo… não porque seja vazio, mas porque é cheio demais para caber em palavras novas a cada vez.


🕯️ Ele conclui, voltando à oração do Rosário:

— O Rosário é isso. É como segurar a mão de Maria, que nos leva a contemplar os passos do seu Filho. Cada Ave Maria é como dizer: “Eu te amo, Jesus… através dos olhos daquela que mais O amou.” E os Mistérios não são repetições por descuido, mas por devoção: a vida de Cristo meditada em ciclos, como as estações da alma.


🎓 Dr. Sproul (com um sorriso contido):

— Tomás… acho que estou começando a entender. Nem toda repetição é vã. Algumas são... eco da eternidade.


A luz dos vitrais se reflete nas contas de um Rosário que repousa sobre a mesa. Lá fora, ouvem-se sinos distantes. O diálogo, que começou em confronto, vai aos poucos se transformando em comunhão. Ainda há divergências, mas agora são respiradas dentro de uma atmosfera de mútuo respeito.



📖 Capítulo 7 – Palavras que Sobem

A sala, antes iluminada por luzes do intelecto, agora resplandece com uma luz mais suave — como se a sabedoria estivesse sendo aquecida pela caridade.


✨ Tomás (com serenidade nos olhos):

— Vede, caro irmão, ao fim de tudo, a oração verdadeira não se mede pelas palavras, mas pela fé que as habita. Uma só palavra, com fé, pode mover montanhas. Mil palavras, sem alma, são como bronze que soa.

“Não são muitas palavras que O comovem, mas um coração que se dobra.” — (cf. Isaías 66,2)


🧠 Dr. Sproul (com leveza na voz):

— Concedo isso, Tomás. Fomos longe… argumentos, exegeses, história. Mas agora percebo: o mais importante é saber quem está ouvindo... e como O buscamos.


🙏 Tomás (sorrindo, em gesto de comunhão):

— E se o próprio Cristo nos ensinou palavras a repetir, foi para que nunca nos sentíssemos órfãos em nossa oração.

“Quando orardes, dizei: Pai Nosso…” (Lucas 11,2)

Repetida por séculos. Repetida por santos, mártires, crianças, mendigos, papas. Não é uma fórmula mágica. É uma ponte entre o Céu e a terra.


✝️ Sproul (olhando para cima, com olhos marejados):

— E hoje… posso dizê-la com você, meu irmão católico. Porque, antes de sermos "protestante" e "católico", somos filhos do mesmo Pai.


Então, de pé, como velhos amigos que deixaram as armas ao pé da cruz, os dois unem suas vozes — e seus corações.


🙌🏼 Juntos:

Pai Nosso, que estais no céu,
santificado seja o Vosso nome,
venha a nós o Vosso Reino,
seja feita a Vossa vontade,
assim na terra como no céu.
O pão nosso de cada dia nos dai hoje,
perdoai-nos as nossas ofensas,
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido,
e não nos deixeis cair em tentação,
mas livrai-nos do mal. Amém.


🌿 Tomás (após o “Amém”):

— Vês, irmão? Repetida, sim. Mas com o coração… aceso.


☁️ Narrador (voz final):

Na eternidade, nenhuma palavra se perde se for dita com fé.
Entre debates e orações, a graça semeia pontes.
E no fim de tudo, o céu não contará as sílabas…
Mas os atos de amor escondidos nelas.



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